Cinco dias sempre a abrir

Datong, Taiyuan, Pingyao e Xi’an. Foram estas as paragens que nos cansaram o corpo desde sexta-feira.
Amanhã bem cedo, por volta da meia noite e meia em Portugal, partimos à descoberta de mais um Património da Humanidade, em mais uma viagem de comboio que se espera bem longa.
Andar de comboio na China é uma experiência e tanto! Por ser o meio de transporte mais barato é, naturalmente, o mais concorrido na bilheteira. Os piores lugares são sempre os que sobram e quem compra bilhetes com menos de cinco dias de antecedência, como foi o nosso caso na jornada Pequim-Datong, já sabe que terá reserva garantida nos “hard seats”, cadeiras de plástico duro, insuportáveis para seis horas de viagem. Felizmente nós ainda conseguimos duas “hard sleepers”, camas duras, mas que nos permitiram esticar as pernas e ter uma vista privilegiada sobre a forma de estar dos chineses.
Em seis horas de viagem constatámos o que os guias nos previnem. Para os chineses estar num comboio é a mesma coisa que estar em sua casa. Fumam que se fartam, quando há tabuletas bem explícitas a proibir o tabaco, jogam às cartas, fazem refeições de duas horas colocando as dezenas de iguarias, como patas de galinha ou noodles instantâneos, em mesas improvisadas com a união de vários caixotes, ouvem rádio aos altos berros sem se importarem se estão a incomodar alguém e, o mais abusador de tudo, sentam-se sem qualquer vergonha nas cama dos rés-do-chão, porque a preguiça fala mais alto e eles não estão para subir ao segundo ou terceiro andar dos beliches dos hard sleepers que lhes saiu na sorte. Isto acontece mesmo quando está lá deitado quem pagou por aquele lugar. Sorte a deles que eu fui contemplada com uma cama do meio…

Já em Datong, uma cidade transformada em estaleiro devido à decadência dos muitos prédios destruídos e dos outros tantos que ainda estão por nascer, visitámos um dos locais mais surpreendentes desta viagem. As grutas de Yungang fascinam qualquer visitante com os seus templos sagrados, onde as figuras budistas esculpidas detalhadamente nas rochas, e com mais de 15 metros cada, fascinam qualquer um. Perto de Datong há mais um retiro budista, que foi baptizado por nós como o mosteiro encastrado, por ter sido construído suspenso numa falésia. As estátuas budistas vigiam todas as divisões da construção e há sempre quem não se esqueça das oferendas monetárias.

No domingo partimos bem cedo de autocarro para Taiyuan, paragem necessária apenas como ponto de partida mais fácil para Pingyao, uma aldeia edificada dentro de quatro muralhas, e Xi’an, a cidade que serve de ponte aos famosos Guerreiros de Terracota.

Pingyao é um dos muitos patrimónios da Unesco na China e a distinção das Nações Unidas elogia a preservação do modo de vida dos seus habitantes e da própria aldeia, que ainda hoje mantém intacta a arquitectura das dinastias Ming e Qing, com mais de 12 mil anos de história. A melhor forma de conhecer o interior da muralha é de bicicleta e nós não fizemos a coisa por menos. Alugámos um dois em um e pedalámos até anoitecer.

A segunda semana pelo Oriente começou com a primeira ligação de avião doméstica. Voámos até Xi’an com o objectivo maior de conhecer o delírio do primeiro imperador chinês. Segundo os historiadores, Qin Shihuang Ling foi um líder bastante inovador, responsável pela unificação da China, mas igualmente sanguinário. Por isso mesmo, enquanto reinou, Qin Ling mandou construir sete mil guerreiros em terracota para, reza a lenda, o acompanharem no seu túmulo e serem o seu exército reinante na vida depois da morte. Uma ideia megalómana, mas que tem permitido (desde que foi descoberta, em 1974, por agricultores locais que procuravam um poço) estudar e entender melhor a história imperial da China.

A proximidade de Xi’an com uma das atracções maiores do país traz à cidade muitos estrangeiros, principalmente europeus, que inevitavelmente acabam por ir parar ao Bairro Muçulmano. A atracção maior nesta área é a mesquita, onde o habitual minarete árabe foi adaptado em forma de pagode chinês. À noite o bairro ganha nova vida, com as ruas estreitas, à semelhança de uma medina, a encherem-se de convivas que procuram uma refeição como a nossa de ontem e de hoje por três euros, com bebidas incluídas.

Fotos © Luís Filipe Catarino – Textos © Alexandra Ho

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